Eu acho bonito ter deus como amigo, o lá de cima tá aí para
isso, não é? Para tudo... E aí entende-se que o deus de dentro é que predomina,
é dominado aquele que se domina e aceita a condição de ser. Não há como ser
levada a sério não tendo chegado à maioridade (ops, maturidade) e, se toco
nesse assunto, é porque é realmente relevante. Precisa-se de experiência.
Precisa-se de trabalho para ter experiência. Falta atitude, em todos os
aspectos. De amor o mundo está saturado. Amor que vem, que vai. Que acaba, que
fica, que não tem volta, que dá a volta, por cima e por baixo. É o fato de
entrar no outro que complica, porque quando uma alma é penetrada, ela deixa de
ser par e torna-se uníssona. E isso corrói. Precisa-se do tom. Do mesmo tom.
Não falo de timbre, falo de tom. E verde não combina com roxo, mas eu gosto
desse tom sobre aquele. Cor-rói porque é importante, embora disso também nos
esqueçamos... Cores, sabores. Embora disso estejamos todos precisados. Eu falo
de alma, porque em corpo não há correspondência, não verdadeiramente. Mente
quem diz que corpo sente. Corpo fala, explica, grita, suplica, sussurra... alma
que sente. E eu, sinto muito.
Se eu te digo que quero ir embora, muito embora eu tenha
carinho por tua existência, talvez eu queira dar uma volta. E em um círculo
sempre chegamos ao mesmo lugar. Já me ensinaram bem cedo que a Terra é redonda,
gira, e os dias se sucedem. E não foi difícil entender a princípio, mas agora
me parece muito mais complicado me entregar ao ciclo. Nem ao meu próprio eu
gosto de me entregar, sangra. Nessa volta, eu provavelmente precise encontrar o
silêncio e ouvir suas palavras. As pessoas contam os dias pelas horas, eu conto
pelas repetidas vezes em que pisco os olhos e pauso tudo à minha volta. Para
suspirar. Pausar dói. Mudar dói, mas não mudar dói muito. Se eu pisco agora, é
o meu corpo fazendo o favor de me ajustar, para eu rever todos os detalhes de
antes, mas de outra maneira.
Se eu deito agora na minha cama e aposto comigo mesma que
não vou abrir os olhos até dormir, perco, porque eu sempre abro, mesmo sabendo
que está tudo escuro e vai demorar um pouco até eu entender o nada. Adaptação.
Isso é o que me aguça o sentido, o sentimento, e me assusta. Até a forma ser o
que é, demora. Até eu ser o que sou, já fui. E vou ser de novo, sem saber. E de
novo um ciclo. Ciclista... Bom saber que alguém sabe se orientar em cima de
dois ciclos. E ainda administrar o vento, porque o vento que bate aqui é o
mesmo que bate lá, e ali. O que o vento vem me lembrar talvez venha te fazer
esquecer. Algo ele tem que levar, ou entregar. Que seja, que venha. Mas venham
novos, renovados. Ares sem condições. Ar condicionado apenas de aeroporto, para
distâncias que não nos permitam andar por cima dos ciclos... Soluções, soluços.
É água salgada, da qual a gente precisa contemplar antes de sentir o gosto. Se
eu te fitar demais algum dia, é porque de algum modo você se perdeu nos meus
olhos, e eu vou te procurar em cada parte desenhada dos teus ossos, assim,
quando eu te achar, presentear-te-ei de novo com teu devido valor. Valor
ajustado. Cobra-se mais caro por carinho, porque de amor o mundo está saturado.
Serei a dor, a melancolia. Serei a alegria do instante que
parecer... Desaparecido. Serei-a. Em cada fio de pelo e centímetro de pele,
serei em ti – no mínimo sete vezes ao dia. Eu não posso segurar ninguém com a
minha força. Mas, sinto que estão todos querendo sair, talvez de mim, para que
caibam mais, outros. Entretanto, fechei todas as panelas com as minhas tampas
específicas. Guardei nelas as essências e respirei fundo. Quero mesmo é que me
encham e, se necessário for, que me encham o saco, aliás, a panela. Que
transborde, que eu seja então mais forte que eu, que eu aguente a pressão. E
desligue o fogo, porque criança que mexe com fogo... Queima-se.
- empoeirado (2011)