Acordei com uma incômoda coceira
precedida de uma marca branca e dolorida. Depois de dez anos, alguns mil reais,
discussões, momentos descontraídos, boas refeições e viagens, lá estava eu com
aquela coceira no dedo anular da mão esquerda. Anular será o nome por ser um
dedo nulo, sem importância e mérito? Se assim fosse, marcas não ficariam.
Bem sei que, quando se diz o “sim”,
declara-se o eterno. E pode ser que já não se divida mais a mesma cama nem os
roncos noturnos. Pode ser que já não morem sob o mesmo teto nem tenham as
mesmas divergências nem procurem encontrar-se no mesmo tempo. Mas, a marca de
sol e a marca na vida permanecem.
Foi após uma overdose de lugares e de pessoas
inéditas que o relacionamento deu-se por findo. E finito não eram aquelas
lembranças. Pude experimentar, em matrimônio, o suor de muitas criaturas
interessantes.
A sola dos meus sapatos suplicava por não
mais ser aberta. Eu não resistia e abria. E também abria a mim. Apetece-me
conhecer as pessoas a tal ponto de saber se elas existem de fato, se possuem
marcas ou se não se importam com isso.
Contanto, sempre tive a companhia
preferida e então uma angústia de querer pertencê-la. Todos temos. E busquei
por diversas vezes aguardá-la sorrateiro num canto do balcão, ou do
restaurante. Ou da estrada, ou da vida. Fazia por merecer.
Nunca fui homem de um corpo, aliás, nunca
foi homem de nada. Queria engolir o mundo e encontrar partes perdidas, prestes
a caberem. E numa dessas a conheci. Estabelecemos um relacionamento diferente e
feliz, mas só a princípio. Queríamos nossas liberdades individuais garantidas,
pretendíamos não nos prender um ao outro somente. E então acabamos enjaulados
numa caixa de sapatos do centro, sem elevador.
Demoramos muito tempo para nos conformar
com o nosso inconformismo. Quando aceitamos, revimos todos os fatos. E lá
estava ela, a escondida e esperta monogamia. E que palavra mais feia, soa
repetitiva, lembra monótono ou monotônico. Ao debruçarmo-nos no passado,
pudemos notar nossa irracionalidade humana em subestimar nosso instinto animal.
Sempre mantive relação com várias pessoas
distintas, achava necessário trocar assim, dava-me o direito e o luxo de me
cercar vez ou outra com doses mais caprichadas de alguém, mas não tinha
necessidade de criar condições e entrar nas convenções sociais.
Era importante para ela que recebesse o
anel de preferida. Tudo bem se eu tivesse outras experiências e continuasse
peregrinando com minhas vontades em chamas, mas ela precisava garantir-se
eminente e superior. É triste que tenha demorado tanto para entender que só
seria superior se pertencesse mais a si própria que a mim. E então, a marca
branca no dedo ainda me lembra seus trejeitos, mas à ela só lembra minha
facilidade de possuí-la e fazê-la uma parte, preferida, mas parte.
Eu avisei que não saberia conquistá-la
diariamente, que era melhor que não se infiltrar demais na minha cadeia, pois
eu já era preso demais à minha liberdade.
- empoeirado (2012)
uau!
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