Possuo um caso de amor inquietante por ela,
minha querida e fiel companheira. Desde que fui enlaçada pelos encantos
simplórios e recalcados dessa criatura insondável e indescritível, não consegui
mais amar outra de forma parecida. Carece lembrar que ela me chamou a atenção
quando eu era pequenina. Ainda criança me sentia presa aos seus cantos e curvas,
ou simetrias, como que geométricas. Certa de que ela me correspondia, cresci
aumentando o número de posses desse amor, beirando o inconveniente. Ano após ano
meu apelo à existência dela em minha vida aumentava. Ascendia em mim a vontade
arrebatadora de lhe doar os meus dias, as minhas semanas, os meses, o meu tempo, o meu ócio, o meu destino. Queria enchê-la de cores, de
cheiros, de desenhos, de palavras. Queria lhe dizer muito e tinha o que falar,
ainda tenho. Se eu pudesse, e soubesse, em cada pequeno espaço de sua forma
exuberante, preencheria com um verso, uma rima solta que me confortasse,
suplicante de ouvidos serenos, e só ouvidos, não boca. Aliás, suas linhas me
comovem, sim, inclusive a de seus ouvidos. Escuta-me desde sempre atenta e
silenciosa, e eu desando a falar, como costumeiramente. Assim que a inspiração
aparece, peço-lhe que ceda um pedacinho
de si e torno a inventar algum desenho solto, mas logo, antes de
terminado, ela me lembra, doce e sossegada, o quanto são feios esses meus
rabiscos, e eu aceito, pois a respeito como não respeito mais ninguém. Dou-lhe
minhas opiniões e compartilho frases prediletas; me angustia quando ela se
fecha, rápida, efusiva, reservada. Busco entender seu tempo, afinal, é minha, eu
a possuo, absolutamente. Conforme foi evoluindo e transcendendo o amor, as formas também foram
mudando. Alteraram-se os gostos, os caminhos, os devaneios, inclusive as cores, mas viesse como fosse,
era bela, impecável, leal. Gosto dessa lealdade como quem desfruta de universos
paralelos. Amá-la é isso, pertencer a um universo paralelo que me põe, certeira
e pontualmente, nos lugares certos, nas horas exatas. Claro que, mulher e
carente de atenções tal qual é – e tal qual sou -, fica louca me deixando
também louca quando loto meus horários com pessoas e obrigações alheias. É fato
que ao passar do ano, vai ficando mais desarrumada, um pouco pelo desleixo, ou
pela preguiça, mas eu adoro essa sujeirinha que adquire. Ao
passar de um ano pro outro faz uma revolução, muda tudo, convence-me de novo
que está nova, e renova-me também. Ela gosta mesmo quando me dedico ao nosso
caso, menina formosa. Já me disse uma vez, inclusive, o quanto apetece-te as minhas mãos
passando por entre seus detalhes, mas falou baixinho, quase inaudível, acho que
só eu pude escutar. Ela implora os meus cuidados, os meus tratos e até os meus
trapos. Tenho a mania de lhe presentear com folhas bonitas, flores secas, pedaços
de papéis adoráveis e algumas fotos, ficam bem com seu ar de responsável e
natural. Não lhe dou presentes caros, até porque acho que não se adequariam ao
seu porte de moça frágil e cuidadosa. Escrevo pra que saiba desse meu
sentimento sem cabimento, sem precedentes
e procedimento. Voltarei, agora, a te abrir, cautelosa e apaixonada, como se o fizesse
pela primeira vez, e sei que se entregará ao meu jeito atrasado de ser, aos
meus relaxos, à minha displicência, às vezes ao meu silêncio, o vazio, o
branco. Agradeço por ceder sua paciência aos meus segredos e esperar aquelas
reuniões chatas passarem, ao meu lado. Quero que fique registrado, em ti,
também, caso queira, o quanto sou feliz por ler minhas anotações, poemas e “achismos”
todos, por aguentar meu jeito sistemático e me ajudar a lembrar de tudo, tudo
que eu preciso cumprir ou realizar. Ou a me organizar e me entender quando prefiro
não seguir as regras e seus conselhos, e me desorganizo. E aí fito-te minutos a
fio nas madrugadas como se fosse a culpada, mas na realidade sou eu a desorientada
e leviana. Tenho
consciência de que são poucas as mulheres de verdade que me farão
surtar assim, por me
fazer passar noites com insônia, pensando em você. Prezo pelo teu alento quando acordo e te vejo
amanhecer comigo, já esperta com o tempo e os afazeres, sabida que passarei outras noites mais em claro, preocupada com as suas novidades cotidianas. Nunca me deixou na mão e eu sei que jamais encontrarei amor tão
verdadeiro, minha querida amada, agenda, te tenho muito afeto.
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