domingo, 7 de outubro de 2012

Ventos agudos a trazem

E é então que cada uma cabe em sua cada uma. Eu te criei como imagem e semelhança do que te formei na minha consciência. Busquei traçados que só eu enxergo, e só eu os considero lindos, até porque só eu os considero. E os criei embaixo das pálpebras, com os olhos fechados e os minutos, certa de que, quando abrisse, encararia o que de mais sublime existe. As tuas curvas estão dentro dos meus devaneios. Mas, do que eu mais sinto falta é de mim em você. Serei o seu segredo mais disforme, o mais torto, aquele que não encaixa em nada e está em tudo. Permanecerei guardada, intacta, ou toda envelhecida, relida e quase desvendada. Você me vê, talvez, como quem retrocede, me entende como se não compreendesse mais vínculos, ou compreendesse todos e não conseguiu transparecer o contrato. E eu também não entendo. Já fiz parte da sua vida, a minha parte, a que te cabe, e agora, por ora, talvez esteja transbordando... ou faltando. Bem sei a falta que me faz, mal sei do transbordamento que causa. Mas sinto calafrios de pensar nessa dor latente e que me contorce. Que me torce de tal maneira que seco, pelas águas que caem e pelo calor que faz. Se eu tenho fogo pra te emprestar? Tenho, sim, tenho do que queima dentro, que faz ferida na alma e marca-dor... Aliás, se quiser que eu me feche, seguro a página inquietante e ainda em processo de edição na qual parou. Esteja certa de que manterei alguns assuntos inalterados, mas esteja incerta sobre os assuntos. Apenas peço, encarecidamente: não perca o livro, coloque-o num canto, que seja, mas num lugar que te recordes quando precisar lembrar, ou doer, ou deliciar. Dessa chama eu tenho espalhada pelo corpo inteiro. Mas já não sou mais inteira, estou inerte, sou metade. Sou o pedaço que me pertence, o outro pedaço está por aí e, se não me engano, você me roubou boa parte. De tão boa, talvez agora tenha deixado a desejar. Seu vestido azul com listras brancas não te esconde nem te disfarça, porque por trás do seu olhar faceiro, sem sorrisos (só meios), está toda sua introspecção cavernosa. Todos os labirintos que criou para se perder e se perde, e então cria labirintos com as mãos, ardilosas, carnosas e macias. Artísticas como nascidas para o ofício. E que apertam. Só você me abraça me pegando pelas costas, na altura da cintura, e com a mão direita segura meu rosto como se soubesse o caminho. E o trilha como se me tivesse decorado. E decorou como se tivesse autorização... e teve. Quer dizer, minha razão diz ter tentado te pausar, por diversas vezes, de diferentes maneiras, mas meu pulso diz ter se deixado conduzir pelos impulsos. Então tomei coragem. Tomei, assim, engoli essa coragem que me fez crescer comigo mesma. E, ao te ver, retrocedi pro momento que passava antes de te conhecer. Dei um salto sozinha nessas semanas-quase-anos e contigo não pude dar meio passo. Retornei. Coração batendo pequenininho, apertado, mas decidido. Decidi te amar e não optei por te deixar. Optei-te. E fiz por merecer. Segurei as pontas. Puxei-as. Estiquei tanto que me escaparam entre os dedos, abruptas. Bati centenas de vezes o cigarro e joguei longe as cinzas. Soprei. Sobrei. Fugi ou deixei? Passo por mim e me reconheço, mas já não me procuro fazer sentido. Feito flecha, ciente de onde venho, aponto a direção à frente. Perdi-me, não sei mais aonde ir, se vou. Caso eu fique, peço que vá, invada outras moradas, impregne com sua essência outros casulos, construa ninhos aconchegantes, como os que tem construído pra mim até então. “Solta minha mão, mas volta”: escrevi um dia e ainda recomendo. Volta e meia nos esbarramos por aí. Com o vento, com o pensamento... o lamento deixemos de lado. Ventemos, assim sentimos e fazemos sentir... Pelo choque do contato, faremos efeito, sairemos do lugar. Possivelmente até assobiaremos agudos constantes, não tão contidos. Mas melhor, agora, é tentar caber. Então, ventos agudos, atrasem.

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