Veio vestida com blusa de
florzinhas, meio vermelha, meio violeta, meio rosa. Desabotoada e prestes a
abrir-se, a mostrar mais uma de suas pétalas recobertas e camufladas por uma
camada fina de pelos, que nada mais querem dizer além de delicadeza com os
poros. Chegou prestes a abrir-se, perpassando
silêncio cheio e sorrateiro da noite de quinta. Pois então abriu os
braços, não como quem está explodindo furtiva e calorosamente. Mas como quem
constantemente transborda e, sutilmente, encaixa e aquece. E que cheiro bom
possuía. Artificial, é verdade, mas completamente condizente. Olhos e sorrisos
marejados, quase fechando. Vermelhos, marginais. Em suas margens os cantos, a
dobra da pele formando morada. Em essência, o fato de me roubarem e fugirem comigo
dentro. Eu não sei por quanto tempo me farão refém. Contanto sei que me prendem
e nesses instantes perpetuam. Boa conversa, um tempero, uma comida fervendo e
um cigarro. Dois. A cada palavra ou gesto, mais uma de mim que me abandona.
Escapam-me centenas de protótipos e sobram apenas as duras tentativas de me
ser. Alguém respira em mim, me pulsa e impulsiona. É impressionante como meus
membros articulam e respondem sem me perguntar. E a pedra que carrega pendurada
no pescoço, feito amuleto, me sorri. Ela sabe, no fundo, que está num dos meus
lugares preferidos em você. No colo. Você brinca com as minhas muletas tentando
entender o mecanismo e eu levo a sério suas tentativas. Todo mundo precisa
saber com que pé pisar firme. Os dois. Por isso abandono aos poucos esses
pedaços de ferro cilíndricos, mas sim, um passo depois do outro. Equilíbrio.
Aproximo-me, me chego até seu aconchego quieto e confortável. É necessário
caber. Além de medir as palavras, é preciso colocá-las nos espaços
convenientes. E coube. E nós sabemos o quanto mais caberia se as palavras não
pesassem tanto. Ou meu corpo não pesasse ou não possuísse tantos ossos.
Pontudos. Pontuais. Músculo rígido. Pensamento e fluxo flexíveis. Você não. É
maleável, quase mole, eu diria. Apetece-me seu braço feito travesseiro e meu
corpo repousando branco no seu. No céu. Seus dedos articulosos contornam os
desenhos dos meus fios de cabelo. Sabe
onde tocar e inventa uma orquestra em meu corpo. Que dança. E você atua me deixando
fascinada pela forma que divide o palco comigo.
Das tuas divisões, gosto dos círculos com outros círculos no meio,
sobressalentes. Suspiro, em espiral. Parece-me que a cada vez que nos
descobrimos, os conheço um pouco mais. Eles guardam o que de mais vivo existe.
O músculo que bombeia e ajuda a levar sensibilidade para todo o resto. Todas as
pontas, entradas, beiradas, saídas e partes escondidas. E então você me
acelera. Já não me preocupa mais quem está no quarto ao lado. Dilacera o meu
mais íntimo, o que de mais “meu” eu tenho, que lateja. Que paguem o resgate.
Interessa-me somente que, enquanto os lençóis se torçam e enrolem, você esteja
em cima. E em cima de nós a lua. Ela veio. Bordada de flores, pendurada no pescoço. Prestes a camuflar e recobrir-me, de florzinhas. Meio rosada,
meio viole(n)ta, meio vermelha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário