domingo, 21 de outubro de 2012

Ela veio

Veio vestida com blusa de florzinhas, meio vermelha, meio violeta, meio rosa. Desabotoada e prestes a abrir-se, a mostrar mais uma de suas pétalas recobertas e camufladas por uma camada fina de pelos, que nada mais querem dizer além de delicadeza com os poros. Chegou prestes a abrir-se, perpassando  silêncio cheio e sorrateiro da noite de quinta. Pois então abriu os braços, não como quem está explodindo furtiva e calorosamente. Mas como quem constantemente transborda e, sutilmente, encaixa e aquece. E que cheiro bom possuía. Artificial, é verdade, mas completamente condizente. Olhos e sorrisos marejados, quase fechando. Vermelhos, marginais. Em suas margens os cantos, a dobra da pele formando morada. Em essência, o fato de me roubarem e fugirem comigo dentro. Eu não sei por quanto tempo me farão refém. Contanto sei que me prendem e nesses instantes perpetuam. Boa conversa, um tempero, uma comida fervendo e um cigarro. Dois. A cada palavra ou gesto, mais uma de mim que me abandona. Escapam-me centenas de protótipos e sobram apenas as duras tentativas de me ser. Alguém respira em mim, me pulsa e impulsiona. É impressionante como meus membros articulam e respondem sem me perguntar. E a pedra que carrega pendurada no pescoço, feito amuleto, me sorri. Ela sabe, no fundo, que está num dos meus lugares preferidos em você. No colo. Você brinca com as minhas muletas tentando entender o mecanismo e eu levo a sério suas tentativas. Todo mundo precisa saber com que pé pisar firme. Os dois. Por isso abandono aos poucos esses pedaços de ferro cilíndricos, mas sim, um passo depois do outro. Equilíbrio. Aproximo-me, me chego até seu aconchego quieto e confortável. É necessário caber. Além de medir as palavras, é preciso colocá-las nos espaços convenientes. E coube. E nós sabemos o quanto mais caberia se as palavras não pesassem tanto. Ou meu corpo não pesasse ou não possuísse tantos ossos. Pontudos. Pontuais. Músculo rígido. Pensamento e fluxo flexíveis. Você não. É maleável, quase mole, eu diria. Apetece-me seu braço feito travesseiro e meu corpo repousando branco no seu. No céu. Seus dedos articulosos contornam os desenhos dos meus fios de cabelo.  Sabe onde tocar e inventa uma orquestra em meu corpo. Que dança. E você atua me deixando fascinada pela forma que divide o palco comigo.  Das tuas divisões, gosto dos círculos com outros círculos no meio, sobressalentes. Suspiro, em espiral. Parece-me que a cada vez que nos descobrimos, os conheço um pouco mais. Eles guardam o que de mais vivo existe. O músculo que bombeia e ajuda a levar sensibilidade para todo o resto. Todas as pontas, entradas, beiradas, saídas e partes escondidas. E então você me acelera. Já não me preocupa mais quem está no quarto ao lado. Dilacera o meu mais íntimo, o que de mais “meu” eu tenho, que lateja. Que paguem o resgate. Interessa-me somente que, enquanto os lençóis se torçam e enrolem, você esteja em cima. E em cima de nós a lua. Ela veio. Bordada de flores, pendurada no pescoço. Prestes a camuflar e recobrir-me, de florzinhas. Meio rosada, meio viole(n)ta, meio vermelha.


Nenhum comentário:

Postar um comentário